O filme “Vingadores: ultimato” é repleto de lições que podemos aproveitar em diferentes áreas da nossa vida. Agora que a maioria das pessoas já tiveram a oportunidade de assistir ao filme, que coloca um ponto final na história das Joias do Infinito, podemos começar a refletir com menos receios de spoilers sobre o episódio. No entanto, desde já, enfatizo que se você não assistiu ao último filme, não continue a leitura!
Thanos é uma figura curiosa no Universo Cinematográfico Marvel (refiro-me apenas à história contada nos filmes), um titã que começou a perceber em seu planeta que os recursos iriam se tornar escassos caso nada fosse feito para mudar. Diante deste desafio, em conversa com os líderes locais, sugeriu que a solução para este problema seria eliminar metade do planeta de maneira aleatória. Com essa sugestão, ele foi chamado de louco e, pouco tempo depois, Titã sucumbiu por falta de recursos e ele, convencido de que sua alternativa era a melhor opção, decidiu que não deixaria isso acontecer mais em nenhum outro local. Assim, tem início sua jornada em busca das Joias do Infinito, enquanto ele já executava seu plano pelos planetas onde passava. Thanos se julgava misericordioso, o único com força de vontade para tomar a única decisão coerente diante da problemática de recursos limitados. Mesmo que isso viesse a custar sua alma, para ele o universo viveria em perfeita harmonia após a eliminação da metade dele.
A ideia não é aprofundar a história de Thanos, mas destacar um ponto muito interessante de sua trajetória: sua obsessão por salvar o universo à sua maneira. O titã passou todo o percurso dos filmes convencido de que sua estratégia era perfeita, a opção mais lógica e sensata para o futuro do universo, a única saída viável para um problema universal, nada poderia dar errado após isso. Thanos estava tão obcecado com seu objetivo final que em nenhum momento dos filmes conseguimos vê-lo refletindo sobre as falhas ou limitações que seu plano poderia ter. Ele estava tão certo de seu sucesso, ou tão decidido a solucionar um problema, que não enxergou questões óbvias, uma dessas questões foi abordada no último filme e muitas outras não.
Após seu objetivo já alcançado no episódio “Guerra Infinita”, em “Vingadores: ultimato”, quando Thanos viaja do passado para o futuro, percebe que seu plano falharia sempre que existisse a possibilidade de algum sobrevivente desfazer o que ele fez por “falta de entendimento” dos seus objetivos. Diante disso, ele toma outra decisão: destruir o universo e reconstruir da forma “correta”, sem que ninguém soubesse das mortes em prol das vidas.
O meu objetivo não é discutir questões éticas, morais ou ideológicas do plano de Thanos, mas destacar algo muito simples feito por ele, dentro de uma lógica que pode ser considerada falha, que nós fazemos em muitos momentos: não experimentar mentalmente diferentes possibilidades, tendo consciência de vantagens e desvantagens que a nossa escolha trará para o futuro. Você deve estar se perguntado, intrigado, o que eu quero dizer com isso. Uma das capacidades humanas mais complexas é a de manipular mentalmente eventos passados, presentes e futuros a fim de imaginar escolhas e caminhos que podemos ou queremos seguir antes de fazê-lo. Embora esse seja um grande diferencial de nossa espécie, é muito comum nos fecharmos em apenas uma possibilidade sem conseguir enxergar qualquer outra alternativa viável para um problema ou solução, ficamos imersos em uma espécie de “cegueira”, como Thanos quando não enxergou a complexidade da situação. A diferença é que ele teve a oportunidade de ver o futuro e mudar suas escolhas, ainda que novamente de maneira equivocada, mas nós não temos.
Isso acontece conosco o tempo inteiro e nem sempre tem uma grande consequência em nossas vidas cotidianas, mas a questão é que algumas escolhas trazem grandes consequências para o nosso futuro a curto, médio e longo prazo. Essas escolhas merecem muita atenção aos prós e contras antes de serem executadas, especialmente se elas envolvem diferentes pessoas ou segmentos, como no caso do filme e também da educação.
Gerir uma escola, estar em sala de aula, formar educadores, administrar funcionários ou mesmo planejar a educação do futuro pode ser bastante desafiador, disso nós sabemos. O grande perigo está quando, diante desses grandes desafios, decidimos arbitrariamente por escolhas que, em nossa cabeça, funcionam perfeitamente para aquele contexto. Às vezes estamos tão certos, para não dizer cegos, como Thanos, que tudo que os outros falam ou tentam mostrar soa como ofensa, desconhecimento, birra e/ou desvalorização do nosso trabalho. Por vezes pode até ser, por outras não. Diante disso, é importante estarmos atentos à maneira como escolhemos os rumos da educação, seja em contextos micros (sala de aula, funcionários da escola, formato de gestão), ou em contextos macros (políticas educacionais, diretrizes etc.).
Em qualquer contexto, mas especialmente nos micros, deixo três dicas que podem ajudar a ter um olhar mais amplo para atuação na área de educação:
1) Considere que a realidade é complexa e multifatorial: não existe uma fórmula secreta para dar aulas, para gerir uma escola, para mudar a educação de um país ou para salvar o universo. Muitas vezes existem várias maneiras de se fazer isso, muitas delas envolvendo diferentes decisões, áreas e grupos, mas algumas perguntas que você pode se fazer são: Qual será o impacto e as consequências dessa decisão específica na vida de todas as pessoas afetadas? Existe outra alternativa mais eficaz? Eu preciso decidir isso sozinho ou posso consultar outras pessoas ou áreas?
2) Essa segunda dica pode ajudar na reflexão da primeira: pesquise estratégias de fontes confiáveis e pessoas experientes em sua função, escolha pelo menos três alternativas para solucionar o seu desafio e faça uma lista de todas as vantagens e desvantagens que cada uma delas possuem a curto, médio e longo prazo. Isso poderá ser um pouco trabalhoso à princípio, mas te ajudará a enxergar elementos que influenciam diretamente na sua decisão e que possuem impacto também na sua saúde mental e física;
3) Por fim, mas não menos importante, tenha uma pessoa de referência, em que você confie e, de preferência, com mais experiência do que você em sua área de atuação. É surpreendente como conversar com uma segunda ou terceira pessoa pode nos fazer reavaliar e aprimorar nossos pontos de vista, quando estamos abertos e dispostos a isto.
Assim, não garantimos as melhores escolhas, mas possivelmente faremos escolhas mais sensatas e com menos motivos para arrependimentos. Afinal de contas, não é no nosso planeta, ainda, que conseguimos visitar o futuro e mudar nossas decisões, e mesmo se pudéssemos, isso não nos garantiria tomar decisões melhores.
Publicado originalmente no Linkedin em 28 de maio de 2019.