Parece que ser psicóloga e ansiosa não cabem em uma mesma frase, não é verdade?
Para surpresa de poucos (ou muitos), psicólogos são seres humanos como qualquer outro e sentem todas as emoções possíveis, inclusive ansiedade. O que muda é que provavelmente conhecemos mais técnicas pra regular aquilo que sentimos, o que não necessariamente significa que conseguimos aplicá-las com frequência (ou simplesmente aplicá-las).
Estava lembrando na noite passada de uma entrevista admissional que certa vez participei com várias perguntas sobre a minha vida pessoal.
Dentro de uma série de questões sobre meu organismo, doenças, fraturas e cirurgias, a médica perguntou de forma muito natural, como qualquer outro ponto a preencher: “Ansiosa?”. Eu, um pouco intrigada, quis entender melhor: “Se eu sinto ansiedade?”. Ela respondeu impaciente: “Sim, minha filha, se você é uma pessoa ansiosa nas coisas da vida”.
Eu esbocei um sorriso (com vontade de gargalhar, para ser sincera) e pensei sem falar nada: “é claro que eu sou ansiosa, extremamente ansiosa, mas até eu conseguir explicar pra ela de forma que não pareça que eu tenha um transtorno, que não é o caso, preciso dar uma resposta neutra”. Segui em voz alta: “Sim, eu sinto ansiedade no meu dia a dia, mas acho que nada fora do comum (talvez um pouco, dependendo da fase, do período menstrual, da situação em casa, mas ela não precisa saber disso... acho que ela nem está interessada nisso)”. Ela anotou no papel, sem nem olhar no meu rosto risonho, “pouco” e seguiu com “deprimida?”...
Lembro que quando saí do consultório eu fiquei rindo sozinha por alguns minutos, enquanto esperava o Uber, pensando como alguém tem a coragem de perguntar se a outra pessoa é ansiosa assim, de forma solta. Qual seria o contexto? A quais situações se refere? Você sabe se está falando com uma pessoa que acabou de perder o emprego? Ou que conseguiu finalmente entrar em um? Com alguém que chegou em uma cidade nova recentemente? Alguém no último período da faculdade? A uma semana do casamento ou do divórcio? Alguém que não sabe quando vai conseguir pagar as contas? A que você se refere quando você fala de ansiedade? E mais, por que está escrito a palavra ansiedade em um laudo médico, assim como está diabetes, fratura, cirurgia etc.? Será que essa médica sabe exatamente o que ela quer dizer quando ela faz essa pergunta? Será que ela quis perguntar se eu tinha Transtorno de Ansiedade? Será que quem ouve entende? São questionamentos complexos para uma situação pontual e obviamente sei que estou exagerando um pouco no ocorrido (deixarei a crônica sobre uma psicóloga exagerada para uma próxima).
O fato foi que lembrar dessa situação me fez pensar em como hoje em dia as pessoas tendem a enxergar a ansiedade quase como uma patologia, algo que precisamos nos livrar urgentemente, o mal da vida cotidiana. Ok que sentir ansiedade não é nada legal, desde os sinais físicos que incomodam um bocado (coração acelerado, sangue quente, frio na barriga, às vezes até vontade de vomitar, entre outros) até sinais cognitivos, como ficar ruminando por muito tempo uma situação ou fazendo incessantes simulações catastróficas do desconhecido. Concordo plenamente que isso não é nada confortável!
Mas, pensa comigo direitinho: você acha mesmo que você conseguiria em algum cenário real nunca mais ficar ansioso? Vou um pouquinho além para sua reflexão: você acha que zerar completamente a sua ansiedade seria benéfico para a sua mente e vida de maneira geral? Ora, por pior que seja se sentir ansioso, essa emoção é útil para que a gente simule e projete situações temporais, nos planejando a médio e longo prazo; para que nós possamos analisar riscos em diferentes contextos; para que a gente se organize em direção àquilo que queremos no futuro... e por aí vai.
O que eu quero dizer com isso?
Se a ansiedade for muito intensa, ela pode te atrapalhar profundamente; se ela for inexistente, ela vai te atrapalhar igualmente. A grande sacada em relação não só a ansiedade, como a todas as nossas emoções, é saber que elas fazem parte de quem somos e não, não vamos nos livrar delas nunca na nossa vida. Se parássemos de brigar com aquilo que sentimos e aceitássemos como somos e funcionamos, provavelmente conseguiríamos entender a mensagem que o nosso corpo está passando e seríamos bem mais assertivos para criar estratégias saudáveis no nosso cotidiano. A emoção não é sua inimiga e nunca será, trate-as com carinho e elas vão transformar a sua forma de ver o mundo.
Se você acha que sua ansiedade compromete de forma significativa suas relações pessoais e sociais, procure ajuda especializada. Se você sente ansiedade, mas já encontrou recursos para lidar com ela da melhor forma possível e consegue ter uma vida satisfatória caminhando junto com ela, continua no caminho, alguns dias serão melhores que outros. Sou psicóloga, e sim, me considero bastante ansiosa. Desde que aceitei isso consigo, aos poucos, aumentar meu repertório de estratégias para lidar com a maneira que meu corpo e mente respondem a esse mundo tão complexo.
Se você tem interesse em aprender estratégias na sua escola ou na sua empresa para regular emoções como ansiedade, podemos conversar!
Texto publicado originalmente no Linkedin em 20 de dezembro de 2019.