Recentemente, mergulhei de cabeça em algumas atividades que eu não tinha a menor afinidade, mas eu precisava aprender para cumprir algumas metas pessoais. Eram “atividades meio” para um fim e eu fiquei intensamente irritada por não ser intuitivo saber onde eu poderia encontrar as informações necessárias para fazer o que eu gostaria.
Todos os tutoriais de internet estavam diferentes do que eu estava vendo, consegui avançar muito pouco depois de algumas horas imersa e gradativamente eu podia até sentir meu corpo mais quente com a tensão e frustração de não conseguir fazer o que eu queria. Quando já estava profundamente frustrada (e irritada), já sem conseguir pensar em muita coisa, mergulhada em um desejo profundo de quebrar o meu computador (Quem nunca? 👀), eu parei, quase tarde demais. Fui ao banheiro, lavei o rosto com água gelada, respirei fundo por alguns segundos e disse para mim mesma “por hoje é só, você não vai conseguir aprender isso se continuar se sentindo dessa forma”.
Desde então, sempre que sento para fazer essa atividade específica, eu utilizo algumas estratégias para não me sentir tão irritada, como:
a) dividir as tarefas em partes muito pequenas;
b) na terceira tentativa frustrada parar e beber um pouco de água, caminhar um pouco, mudar o foco e depois recomeçar as tentativas;
c) lembrar para mim mesma o motivo pelo qual eu preciso fazer isso;
d) pedir ajuda ao meu companheiro sempre que eu acho convictamente que não vou conseguir ou que ele poderá me ajudar a fazer o que eu preciso de forma mais rápida.
Ainda me sinto irritada eventualmente, mas essas estratégias me ajudam a não desejar quebrar o computador ou mesmo desistir de continuar aprendendo toda vez que eu sento para fazer esta tarefa.
O que me fez não quebrar o computador? O quanto eu perdi o foco da atividade estando intensamente irritada com a situação? Por que as estratégias criadas melhoraram a minha relação com este aprendizado específico? Todas essas perguntas se relacionam com regulação emocional.
Reconhecer a importância das emoções para nossa vida de maneira geral não quer dizer exatamente que, ao senti-las, elas serão sempre funcionais em nosso cotidiano. A raiva não regulada pode gerar violência, a alegria em excesso pode nos fazer comprar algo fora do nosso poder aquisitivo, frustração intensa pode nos fazer desistir de coisas que consideramos importantes em nossa vida, sentir-se muito ansioso pode levar ao consumo exagerado de alguns alimentos ou até substâncias, o entusiasmo não regulado pode culminar em declarações de afeto precipitadas. Veja que a emoção em si não significa um comportamento disfuncional, mas quando não conseguimos regulá-las, sejam elas agradáveis ou desagradáveis, acabamos fazendo coisas das quais podemos nos arrepender depois.
Dois detalhes bem importantes sobre esse tema:
(1) Regular nossas emoções não significa deixar de senti-las.
Por esse motivo, não gosto do termo “controlar”, embora ele seja bastante utilizado na literatura e em nosso cotidiano, nos remete ao pensamento cultural de que poderíamos ter o poder de controlar aquilo que sentimos, e isso não é verdade. Podemos sim ter autonomia para escolher o nosso comportamento diante daquilo que sentimos, ainda que esse comportamento seja só deixar a emoção passar sem darmos muito atenção a ela. Nesse sentido, regulação emocional não é sobre deixar de sentir emoções, e sim encontrar maneiras de modificar alguns elementos dela, como sua intensidade ou duração.
(2) Como saber que a emoção precisa ser regulada?
Existe um consenso de dois aspectos que podem ser considerados para responder essa pergunta, que colocarei aqui em formato de dicas para você:
a) Avalie se a intensidade da emoção que você está sentindo está de acordo com seus objetivos pessoais, isto é, se ela está prejudicando o seu bem-estar, o seu desempenho no trabalho e relações sociais ou está sendo nociva às pessoas a sua volta. Se sim, possivelmente esta emoção precisa ser regulada.
b) Questione se o comportamento desejado ao sentir a emoção está de acordo com as regras de expressão emocional de onde você vive. Gritar furiosamente com um atendente daquela operadora de telefone ou transparecer irritação a clientes estratégicos parece o mais adequado? Se cada um de nós expressasse nossas emoções como bem entendêssemos possivelmente viveríamos em pleno caos. Cada cultura, sociedade, empresa, família possui suas regras de expressão emocional de forma implícita ou explícita. Claro que é importante criticá-las a depender de como funcionam, mas elas acabam sendo um bom sinal para nos atentarmos a funcionalidade de nossos comportamentos.
Mas, quais são os motivos a serem considerados para indicar a importância de regularmos nossas emoções?
No Tratado de Regulação das Emoções, Mikolajczac e Desseilles sugerem que a capacidade de regular nossas emoções afetam pelo menos quatro grandes áreas da nossa vida. Curioso para saber?
1) Relações Sociais
Viver próximo de pessoas que não conseguem regular a raiva, tristeza ou ciúmes, por exemplo, pode ser bem desgastante. Imagina aquela pessoa que sempre explode com você ao se sentir irritada? Ou arruma uma briga toda vez que sente ciúmes? As pessoas com mais dificuldade de regular suas emoções podem ter sérias dificuldades em manter a qualidade de relações com amigos ou mesmo cônjuges, sendo mais propensos a ter conflitos e afastar as pessoas.
2) Bem-estar
A dificuldade em regular nossas emoções está relacionada a menor satisfação com a vida e uma percepção de baixa qualidade em suas próprias experiências. Algumas pesquisas também associam esta dificuldade ao envolvimento em comportamentos de risco, como abuso de álcool ou outras substâncias e automutilação, por exemplo.
3) Saúde física
Quando sentimos emoções, sentimos também fisicamente em nosso corpo. Na raiva, por exemplo, além dos pensamentos associados à situação, o coração acelera, a pressão arterial muda, os músculos se contraem, hormônios são liberados, e por aí vai... Hoje já se sabe que a dificuldade em conseguir diminuir a intensidade de emoções, especialmente aquelas desagradáveis, é um fator de risco para o desenvolvimento ou agravamento de diferentes doenças, como asma, diabetes e doenças cardiovasculares.
4) Desempenho nos estudos ou no trabalho
Imagina se toda vez que você se aborrece com a dificuldade em aprender algo novo, você desista de aprender ou pule para o próximo conteúdo sem concluir o necessário? Ou ainda, que você não consiga pensar em nenhum motivo para se animar em participar de uma aula chata que será importante para o alcance de um objetivo desejado?
Para esta área, a regulação das emoções pode ser pensada em duas perspectivas: conseguirmos diminuir a intensidade de nossas emoções desagradáveis, como ansiedade, frustração, tédio ou irritação; e regular também emoções agradáveis, como pensar em estratégias para manter o entusiasmo ou a satisfação, que será fundamental na sua motivação e permanência nos estudos/trabalho. Na história contada, por exemplo, eu senti necessidade e consegui encontrar estratégias para ambas.
Nos estudos revisados, regular suas emoções poderá te ajudar a ter melhores resultados de desempenho, procrastinar menos e persistir em suas metas. No campo profissional, os benefícios são muito parecidos, pois para conseguir e manter um emprego, aprendendo e se adaptando aos novos desafios que surgem, essa habilidade pode ser crucial.
Nesse sentido, além da consciência sobre a importância do desenvolvimento desta habilidade socioemocional, termos compreensão da maneira como nos sentimos e buscarmos aumentar nosso repertório de estratégias para lidar com esses momentos pode transformar a maneira como lidamos com diferentes situações cotidianas, e consequentemente isso impactará nossa saúde mental e física também.
E não existe uma receita pronta para fazer isso, existem indícios de algumas atividades que podem ser consideradas interessantes, mas o autoconhecimento será fundamental para escolha de uma ou outra estratégia, como as que eu escolhi lá na história inicial.
Você imaginava que aprender a regular suas emoções poderia ter tanto impacto assim na sua vida e em tantas áreas diferentes? Como você pode utilizar essa informação para repensar os seus comportamentos?
Publicado originalmente no Linkedin em 17 de agosto de 2020.