Trabalho com educação socioemocional há alguns anos e já encontrei educadores de diversos estados do Brasil para dialogar sobre o tema em uma perspectiva formativa, focada na educação básica. Para mim, a troca era uma das coisas mais ricas dos encontros, pois muitos traziam perspectivas e recortes da sua realidade que criavam uma atmosfera de reflexão e construção muito grande e proveitosa, na maioria das vezes.
Nas formações, eu ouvia muitas colocações de docentes carregadas de dúvidas e questionamentos que faziam sentido para o olhar deles naquele momento. Me peguei pensando nos últimos dias em algumas delas, que por vezes geram equívocos e resistência, e decidi escrever esse texto para tentar ajudar outras pessoas que possam ter essas mesmas dúvidas, especialmente considerando que muito se tem falado sobre esse tema ultimamente e em uma perspectiva, por vezes, romantizada. Portanto, deixo de antemão registrado que o objetivo deste artigo não é falar sobre as múltiplas facetas presentes neste tema tão diverso, mas pontuar reflexões que abordam recortes de dúvidas específicas sobre ele.
Educação socioemocional é para quem?
Vou começar com a colocação mais simples que surge em 90% das vezes que converso com as pessoas sobre esse tema. É muito comum o pensamento de que apenas alunos “problemáticos” ou pessoas “difíceis” deveriam participar de aulas ou momentos de educação socioemocional, pois “são eles que mais precisam disso”. Aí eu sempre pergunto: será que só esses alunos ou pessoas sentem emoções? Você acha que ficar sempre quietinho ou passivo quer dizer que você está lidando bem com aquilo que sente? Ou que lidar com emoções só é necessário se você tiver com um grande problema ou com uma atitude pública “fora do padrão desejado”?
Educação socioemocional é um processo no qual conhecemos mais sobre nossas emoções e aprendemos maneiras de lidar com elas de forma mais assertiva e saudável, por meio de diálogos e reflexões aplicadas ao nosso cotidiano que buscam desenvolver habilidades e competências socioemocionais. Todos nós, sem exceção, podemos aprender nesse sentido, pois nossas emoções nos acompanham ao longo de toda a vida. Ainda que não intencionalmente, estamos sempre criando formas de lidar com elas, mas às vezes essas formas são muito cruéis e, infelizmente, não nos damos conta até pensar propositalmente sobre o assunto.
Vale salientar, neste contexto, que educação socioemocional não é psicoterapia e nem exclusivo do psicólogo, posteriormente tenho desejo de escrever um material sobre este ponto, que também é uma dúvida muito frequente. Como esta questão específica merece um texto maior e mais bem explicado, vamos passar para o próximo ponto.
Por que não consigo ver diferença instantânea ao iniciar um diálogo relacionado a educação socioemocional em minha turma ou com um grupo?
Essa pergunta eu coloquei de forma exagerada para mostrar um ponto que muitos professores trazem e com razão. Por vezes, eles começam aulas ou momentos para conversar sobre emoções em um mês e já esperam que na próxima semana ou no mês seguinte a turma esteja completamente transformada. Ora, isso não acontece nem com as disciplinas tradicionais da escola, concorda?
Então por que esperar que isso aconteça com o nosso aprendizado sobre emoções? Quanto tempo uma criança demora para aprender a ler e escrever fluentemente? Para fazer de forma autônoma as operações matemáticas você demorou quantos anos? E provavelmente ainda existem oportunidades de melhoria, não é verdade?
É muito comum acharmos que mudanças emocionais precisam ser instantâneas, mas a verdade é que, como qualquer outro tipo de conhecimento e transformação, isso não acontece de forma homogênea para todos, além de que precisa ser construído ao longo de um período, com consistência, perseverança e paciência, tendo os altos e baixos que fazem parte de todo aprendizado. É complexo falar sobre isso, mas sempre costumo abordar que educação, de forma geral, não dá muitos frutos a curto prazo (via de regra), educação é um processo contínuo e, assim como as disciplinas da escola não garantem que os alunos saiam “craques” após o ensino médio em tudo que viram, o aprendizado sobre as emoções é heterogêneo, acontece em tempos diferentes e de formas diferentes dependendo do seu contexto, história de vida, visão de mundo, motivação, abertura para aprender etc.
Isso não quer dizer que não dá resultados (dá sim, e um mais lindo que o outro!), de forma nenhuma o meu objetivo é desanimar as pessoas para este tema tão rico e impactante, mas significa que a maneira como olhamos para este processo e para os próprios resultados precisa ser um pouco mais sensível à complexidade que ele representa, além de exigir que nós tenhamos uma postura de plantar sementes, ou seja, olhar mais para o futuro do que para o presente. Ainda sobre os resultados, é bem importante pensarmos em qual resultado exatamente estamos esperando, porque eles serão diversos a depender de quem está no processo. Para uma pessoa, pode fazer uma diferença significativa no mês seguinte, para outros demora alguns anos. Para alguns, a diferença aos olhos dos pares pode ser muito pequena, mas na vida e contexto da pessoa impactada isso representou uma grande transformação.
Por isso, acredito na importância de abordar esse tema em todas as fases da vida e em toda a educação básica e até mesmo superior, incluindo a formação docente. Enquanto processo contínuo, independente da pessoa e da série, ele pode trazer benefícios, reflexões e relações riquíssimas com a vida cotidiana.
Habilidades socioemocionais só podem ser aprendidas se tiver um material didático para isto?
A resposta mais objetiva é não. Um material ajuda, e muito, porque ele organiza o processo de aprendizado sobre as emoções de maneira contextualizada, fundamentada e dinâmica, além de ser pensado, ou deveria ser, para atender peculiaridades de idade e perfil de um público específico. Dessa forma, um material didático facilita a vida de quem vai abordar o tema e cria um sentido sequencial para o que está sendo proposto, fundamentado em teorias e pesquisas sobre a área que embasam aquilo que será abordado, o que é muito importante. No entanto, para além de um material didático, de acordo com estudiosos da área, existem 3 maneiras de desenvolver habilidades socioemocionais que, na minha visão, se complementam e devem caminhar juntas sempre que possível:
1) Exposição indireta
Aqui estão incluídas interações com familiares, pares, professores e outros alunos. Ainda que sem intenção, aprendemos vendo outras pessoas se comportando e não podemos ignorar isto. Quanto menos idade, inclusive, maior será esse aprendizado indireto. Nesse contexto, saber expressar emoções agradáveis diante dos outros e falar adequadamente sobre emoções desagradáveis, abordando causas e consequências, por exemplo, pode fomentar a tendência a expressar emoções mais do que suprimir em pessoas que se inspiram em nós, ainda que de forma inconsciente, para aprender novos comportamentos. É aquela velha história de que suas ações falam mais do que as palavras. Especialmente para quem fala sobre o tema, é muito importante que haja um esforço ativo de que isso faça sentido na sua própria vida, de forma contínua.
2) Ensino e exercício direto
Quando diretamente orientamos sobre como expressar emoções de maneira socialmente apropriada favorecemos comportamentos como empatia e expressividade, isso acontece na aplicação de materiais didáticos, por exemplo, ou quando intencionalmente nos propomos a abordar este tema com outras pessoas, ainda que não se tenha um material. Quando ajudamos a identificar, nomear, conhecer, expressar, regular diferentes emoções e conectá-las com situações sociais e contextos, estamos também contribuindo para o aprendizado de habilidades socioemocionais.
3) A partir de oportunidades geradas naturalmente no ambiente
E por fim, aqui, ainda que não exista a proposta de intencionalmente estar falando sobre educação socioemocional, quando aproveitamos oportunidades em atividades, brincadeiras, programas, vídeos, convivência com amigos, músicas que estão sendo tocadas etc. para refletir sobre questões socioemocionais, também estamos colaborando de alguma forma com este aprendizado e desenvolvimento.
Ou seja, desenvolver habilidades socioemocionais é necessário e fundamental para uma vida com maior qualidade e até mesmo possibilidades, mas esse é um processo sobretudo complexo, que muitas vezes quando romantizado passa a falsa impressão de simplicidade ou panaceia. Conhecer mais sobre o tema pode te ajudar a desmitificar questões que criam resistências e até incoerências neste longo caminho. Você consegue pensar em outras dúvidas comuns sobre o tema?
Artigo publicado originalmente no Linkedin em 31 de agosto de 2020.