Quem nunca ouviu pelo menos uma dessas frases na vida que atire a primeira pedra:
“Só fiz isso por causa da emoção (raiva, por exemplo)”.
“É só ignorar que passa”.
“Apenas pense em coisas boas que você deixará de sentir isso”.
“Você só pode aceitar sentir o que é bom”.
Eu cresci ouvindo várias delas, de familiares, amigos, professores, colegas, conhecidos, da televisão... Em muitas ocasiões, elas estavam carregadas de boas intenções, mas será que representavam verdades?
Nossa cultura está arraigada de afirmações sobre nossas emoções que fazem parte da nossa educação emocional informal, isto é, crescemos ouvindo no cotidiano e aprendendo ao observar outros vivendo dessa maneira.
Caminhamos achando que está tudo certo, muitas vezes mergulhados em dores e feridas rasas ou profundas que parecem fazer parte do que acreditamos ser o curso natural da vida, ou melhor, das nossas emoções.
No entanto, muitas dessas afirmações podem estar equivocadas, e conhecer os principais mitos acerca das nossas emoções certamente contribuirá para um pensamento crítico sobre aquilo que sentimos ou observamos no outro.
Preparado para começar?
Para deixar sua leitura mais interessante, peço gentilmente que após cada frase, antes de ler a explicação, você faça uma pausa e tente justificar se é um mito ou uma verdade para você e por quê.
1) Saber lidar com as emoções é ser capaz de não sentir emoções desconfortáveis, como tristeza, raiva e ansiedade.
E aí, mito ou verdade?
Sabe aquele guru da felicidade que promete técnicas infalíveis para você deixar de sentir emoções desconfortáveis, apenas alimentando coisas boas dentro de si e a sua volta? Lembrou? Maravilha, agora peço sinceramente que você busque se afastar dele.
Brincadeiras à parte, esse é um grande mito que permeia o nosso cotidiano de forma consciente ou inconsciente. As emoções pertencem a todo ser humano, a ciência já comprovou que é impossível não sentirmos emoções ao longo da vida¹², considerando que elas possuem um papel essencial para nossa sobrevivência, decisões e convivência com outras pessoas.
Nas palavras do neurocientista Antônio Damásio:
“Somos tão incapazes de impedir uma emoção quanto de impedir um espirro”.
Ser emocionalmente inteligente não é sobre estar feliz o tempo inteiro, é sobre compreender o papel das emoções em nossa vida e aprender a lidar com elas, encontrando estratégias saudáveis para se relacionar consigo e com os outros.
Portanto, lembre-se: deixar de sentir emoções, seja qual for, é um mito!
2) Ignorar as emoções ajuda a resolver melhor a situação.
Ignorar nossas emoções pode omitir informações importantes acerca dos acontecimentos que as geraram e do que podemos fazer diante de diferentes situações.
Ter consciência sobre elas e sobre o que estão nos sinalizamos é um dos primeiros passos para sermos competentes emocionalmente, pois considerá-las poderá nos ajudar a criar estratégias a fim de lidar melhor com as situações³.
Saber que estou muito ansiosa, por exemplo, antes de uma apresentação no trabalho ou da publicação desse artigo e estar consciente disso, ou seja, identificar e considerar esta informação, pode ajudar na criação de estratégias para me acalmar e conseguir me preparar melhor.
Ignorar essa informação pode prejudicar o meu desempenho e motivar comportamentos automáticos (como desistir ou procrastinar) que não são interessantes para o alcance do meu objetivo que, neste caso, é fazer uma boa apresentação ou um bom artigo.
E já que hoje estou inspirada em Antônio Damásio, vou deixar que ele conclua este tópico:
“Quando temos consciência das nossas emoções, os sentimentos têm seu impacto máximo e os indivíduos também são capazes de refletir e planejar (sobre elas)”.
3) Engolir o choro e fingir que está tudo bem é um sinal de inteligência emocional.
Mito ou verdade?
Aprender a lidar com nossas emoções é também reconhecer que elas são importantes em nosso cotidiano. E se elas são importantes, precisamos encontrar maneiras de expressá-las e de nos comunicar por meio delas.
Engolir o choro e fingir que nada está acontecendo pode ser equivalente a ignorar nossas emoções, conforme abordado anteriormente, ou mesmo reprimi-las.
Desenvolver competências socioemocionais inclui aprender a demonstrar a maneira como nos sentimos, pedir ajuda e reconhecer que não precisamos passar por tudo sozinhos, sempre vamos precisar ser ajudados em algum ponto da nossa caminhada. Ou melhor, em muitos pontos dela. E isso não é motivo de vergonha, pelo contrário, essa compreensão pode nos proteger de muitos comportamentos de risco³!
Então... esse é mais um mito! Você não precisa fingir que está tudo bem quando tudo vai mal. Vamos à última frase.
4) Para cada emoção existe um comportamento específico.
“A emoção nos atinge independentemente de onde ela venha”, disse quase poeticamente Damásio², mas, será que o mesmo vale para o comportamento?
Embora as emoções sejam inevitáveis, como já vimos, de forma nenhuma elas devem ser confundidas com comportamentos. Sabe o Fulano que bateu no colega e culpou a raiva, quase retirando de si a responsabilidade pelo ato? Ou aquele grito que você deu, mas foi “só porque estava muito irritade e não poderia ter sido diferente”?
Certamente esses ocorridos foram motivados pela emoção sentida, mas saiba que a emoção não gera o seu comportamento, ela apenas o motiva¹². Logo, o comportamento é de sua responsabilidade, por isto esta frase é outro mito.
Não sei para você, para mim essa informação revolucionou a forma como eu enxergo meus comportamentos.
E por isso é tão importante termos consciência de nossas emoções, para que possamos criar um distanciamento entre nós (e o que podemos fazer) e aquilo que estamos sentindo.
Dessa forma, podemos desenvolver autonomia para escolher o nosso comportamento diante de uma emoção. Isso é transformador! Mas, para que seja possível, é bom exercitar estar consciente daquilo que sente, adverte a psicóloga Susan David³.
Nesse sentido, hoje já se sabe que exercícios de meditação incorporados na rotina podem ajudar na consciência desse espaço entre você e a emoção, pois por meio dessas práticas podemos aprender novas formas de responder às nossas experiências e pensamentos.
Foto: Pexels
Richard Davison, ph.D em psicologia e estudioso da neurociência, relata que a meditação plena não nos impede de sermos invadidos por pensamentos desagradáveis ou inapropriados. Mas, quando eles surgem, lidamos com eles, em suas palavras, “de forma desapaixonada”. Ou seja, nos afastamos e deixamos que ele vá embora ao perceber que deixá-lo tomar conta de nossa mente não será interessante.
Foto: Pexels
Diante disto, o que você ouviu até hoje sobre suas emoções eram mitos ou verdades? Compartilha aqui!
E se por acaso você tiver tido acesso a mais mitos do que verdades, fique tranquile, a partir de hoje você pode começar a repensar a maneira como lida com suas emoções e, aos poucos, reorganizar sua rotina e seus comportamentos.
E se você acha que alguém mais precisa saber dessas informações, lembre-se de compartilhar!
Referências
³ ALZINA, R. B.; GONZÁLEZ, J. C. P.; NAVARRO, E. G. Inteligencia emocional en educación. Madrid: Sintesis, 2015. 340 p.
¹ BARRET ET AL. Handbook of emotions. Guilford Publications, 2016.
2 DAMÁSIO, A. R. O mistério da consciência: do corpo e das emoções ao conhecimento de si. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
DAVISON, R. J.; BEGLEY, S. O estilo emocional do cérebro. Tradução de Diego Alfaro. Rio de Janeiro: Sextante, 2013.
³ DAVID, S. Agilidade Emocional. Tradução de Cláudia Gerpe Duarte e Eduardo Gerpe Duarte. São Paulo: Cultrix, 2018.
³ PACHECO, N. E.; BERROCAL, P. F. Inteligencia emocional y educación. Editorial Grupo 5, 2015.