Que 2020 não está sendo um ano fácil nós sabemos. O grande desafio tem sido encontrar caminhos para reduzir alguns danos por um lado e, por outro, continuar caminhando no ritmo possível.
Nesse sentido, não precisamos apenas gastar todas as nossas energias tentando diminuir a ansiedade ou o estresse, podemos também investir o nosso foco no cultivo intencional de ações que nos proporcionem bem-estar e equilíbrio.
Foto: Pexels
E é justamente nesse contexto que hoje gostaria de falar sobre gratidão.
Eu tentei encontrar uma frase que representasse a profundidade dessa emoção (aceito sugestões, inclusive). Mas, dentre todas as opções que li na internet, não consegui achar nenhuma que significasse para mim o lema que aprendi com a minha mãe:
Ser grata, ser grata, por tudo que nos passa.
Aprendi a cultivar a gratidão inicialmente como uma tarefa árdua, nada simples. Na minha adolescência, não conseguia entender como poderia me sentir grata por lições aprendidas em situações dolorosas, algumas até meio assustadoras demais da conta.
A idade me trouxe experiências, as experiências com reflexões me permitiram amadurecer. Quem convive de perto já me ouviu em algum momento falar sobre gratidão por coisas simples ou complexas.
Aprendi a ser grata pelas coisas mínimas da vida, e para isso me inspirei no exemplo de dona Néria, vulgo minha mãe, que nunca nem leu nada científico sobre isso, mas me ensinou uma das lições mais valiosas da vida.
Particularmente, acho lindo quando nossas experiências de vida cruzam com estudos sobre temas que as envolvem.
A gratidão é definida como uma emoção agradável, aquela coisa boa de sentir, estimulada por situações em que nos sentimos presenteados por outra pessoa ou entidade, e consideramos esse ‘presente’ como positivo, intencional e benéfico em nossas vidas.
Isso acontece de forma visível, aquele chocolate delicioso e inesperado, ou não, como quando alguém nos leva para o pronto socorro em uma emergência.
Existe um consenso científico¹ hoje de que a gratidão tem um papel fundamental para moldar relacionamentos e promover bem-estar.
Curioso pra saber como isso acontece?
Vamos começar pelos relacionamentos
Certamente você deve ter pelo menos uma história de amizade ou laço afetivo que começou com um gesto que te fez sentir-se grate, tô errada?
Algumas pesquisas indicam que a gratidão ajuda a promover comportamentos de ajuda, além de aumentar a confiança e a cooperação entre as pessoas.
Sabe o que é interessante? Sentir-se grato é diferente de estar feliz, por exemplo.
Um experimento realizado em 2006 mostrou que pessoas que se sentiam gratas não apenas estavam mais dispostas a ajudar outras pessoas, como também se mostravam mais esforçadas e engajadas quando comparadas a outras que apenas relatavam estarem felizes.
Em outras palavras, pessoas que foram induzidas a se sentirem felizes ao invés de gratas não se mostraram tão engajadas. A gratidão parece fazer com que a gente se sinta mais envolvido ao cooperar.
Além disso, expressar gratidão pode fazer com que você tenha mais satisfação no casamento e se sinta mais confortável para compartilhar preocupações com seu companheiro, o que pode ser considerado um caminho importante para não desgastar uma relação pensando a médio e longo prazo.
Analisando bem, ninguém merece viver com uma pessoa com a qual não podemos contar nossos problemas, né? Mas não é só com amores que a gratidão funciona bem.
Em outros contextos, ela tem se mostrado uma ótima ferramenta para estimular pessoas a agirem com reciprocidade, o que ao longo do tempo poderia inspirar um ciclo de trocas que fortaleceriam os laços sociais.
Alguns pesquisadores dizem que ela pode também servir de “pagamento adiantado” para inspirar comportamentos sociais de ajuda no futuro. Aquela coisa de alguém fazer uma coisa boa com você hoje e na semana que vem você passar adiante uma boa ação, estilo A Corrente do Bem, lembra?
Foto: Reprodução na Uol
E quando acontecem conflitos, onde fica a gratidão?
Pesquisas empíricas têm mostrado que pessoas que se sentem gratas em seus relacionamentos se motivam mais a tentar reparar a relação quando acontecem conflitos, indicando um desejo de manter e continuar o relacionamento.
Isso acontece porque elas se sentem mais conectadas e satisfeitas.
Uma informação bem curiosa, embora não surpreendente, é que a gratidão parece estar associada ao aumento da força de um relacionamento, ou seja, quanto mais a pessoa se sente grata, mais forte ela considera sua relação e mais ela acha que a relação vai durar também.
E, nesse caso, se você não tem um amor para chamar de seu, relaxa que isso também se aplica a amizades!
Para além dos relacionamentos, algo mais?
Por essa provavelmente você não estava esperando. A gratidão, além de ter o poder de formar e manter relacionamentos, também pode estimular inclusão e cooperação social.
Pesquisas mostram que uma pessoa grata pode tentar incluir a outra em meios nos quais ela seria considerada excluída. Sabe na época da escola, quando alguém te deu aquela força e você a chamou pra sentar com um grupo que normalmente ela jamais sentaria se não estivesse acompanhada? É por aí….
Tudo bem, já falamos na gratidão lá fora, e dentro da gente, será que ela faz alguma diferença?
Sem muitas delongas, sim!
Pessoas que se sentem mais gratas relatam maior satisfação com a vida, bem-estar psicológico e senso de coerência interna, que significa achar que podem gerenciar uma situação, dar significado a ela e compreendê-la sob outras perspectivas.
Foto: Instagram @tirinhadearmandinho
Além disso, algumas evidências indicam que a gratidão pode se relacionar à diminuição de sintomas depressivos e de agressividade.
Você deve estar se perguntando se ainda dá tempo de abraçar essa tal da gratidão como parte da sua vida agora mesmo!
A boa notícia é que existe um consenso de que podemos cultivar a gratidão ao longo do tempo, não importa a idade. Isso pode ser feito por meio de uma intervenção direta ou mesmo pela realização de exercícios, ambos têm se mostrado eficazes.
Para te estimular a plantar sementinhas no seu cotidiano que façam florescer gratidão, deixarei três sugestões simples para que você possa começar a registrar eventos que fez você se sentir grate:
1) Diário da gratidão
Você pode comprar, personalizar um caderno seu ou mesmo abrir um documento no computador para ser o seu cantinho de registros.
Não se preocupe em anotar todo dia, o importante é que se faça isso com alguma frequência e consistência para reconhecer elementos diferentes no seu cotidiano.
Um gesto, uma fala, um abraço, uma comida do jeitinho que você gosta, um café na medida perfeita, um cheiro que trouxe boas lembranças, um pôr do sol exibido, ter ouvido que alguém te ama, o que você poderia registrar hoje?
Dependendo de como você organizar o seu diário, dá pra anexar/colar fotos, ficará bem legal visualmente e será um carinho na sua memória, pode acreditar.
Foto: um registro meu do último pôr do sol que presenciei
2) Pote da gratidão
Se não é adepto de diários, tudo nessa vida tem solução! Você pode personalizar um pote de vidro (para ser mais sustentável, mas se só tiver de plástico não perde a ideia) e colocar papéis com os motivos que lembrar, sempre que quiser.
Na internet existem vários exemplos.
Dá até mesmo compartilhar esse pote com um amigo, se desejar. Ou ainda ter um pote coletivo em casa em que todos da família participam e se inspiram uns com os outros. O que acha?
3) Reserve um momento específico em sua rotina para ser grato
Há 12 anos mais ou menos cultivei o hábito de agradecer por alguma coisa que aconteceu no meu dia antes de dormir. Hoje em dia é praticamente automático, quando fecho os olhos na cama, eu mapeio todo o meu dia a procura de alguma coisa que me fez sentir gratidão.
Nos dias que estou morta e só quero apagar, eu simplesmente agradeço pelo dia como um todo.
Parece muito simples, mas particularmente, eu adoro esses momentos porque até hoje ainda lembro de coisas que me surpreendem e que teriam passado ‘batidas’ sem esse pequeno gesto.
Se você não quiser um diário ou um pote, pode experimentar essa opção!
Me conta, como é a sua experiência com a gratidão? Você tem algum ritual ou costume?
Referência
DESTENO, D; CONDON, P; DICKENS, L. Gratitude and compassion. In Barrett, L. F.; Lewis, M.; Haviland-Jones, Jeannette M. (Ed.). Handbook of emotions. Guilford Publications, 835-846, 2016.