Para entender melhor o título deste artigo, te convido a assistir clicando aqui este pequeno trecho falado por Rubem Alves em uma entrevista no programa Provocações, da TV Cultura.
"O prazer demanda tempo".
Que o tempo é algo relativo nós sabemos, longe de mim julgar a maneira como as pessoas escolhem ou são obrigadas a utilizá-lo, dependendo do contexto. Maaas, gostaria de propor uma breve reflexão sobre esse aspecto e nossa vida emocional.
Hoje em dia tem crescido cada vez mais o discurso do tempo como algo escasso, precisamos aproveitar cada minuto, fazer cada segundo valer a pena. Até aí tudo bem, parece interessante aproveitar o nosso tempo da melhor maneira possível, dentro das circunstâncias que temos.
Mas, você já notou que esse discurso tende para uma linha onde "aproveitar" o tempo é estar produzindo, trabalhando, fazendo atividades reconhecidas como "produtivas", de preferência ligadas a vida profissional?
No contexto profissional, tudo é urgente, pra ontem. Vejo profissionais sem tempo de se aprofundar no tema em que trabalham, querendo aprender por vídeos curtos e acelerados, almoçando enquanto ouvem áudios de clientes ou chefes, falando sobre autores que conhecem apenas por aquela frase famosa da internet, se atualizando apenas pelo título das notícias....
Cansados, sobrecarregados, degastados e... Achando que não estão aproveitando bem o tempo.
Por vezes sendo cobrados por produzirem cada vez mais enquanto tentam desesperadamente fazer isso no piloto automático, se jogando em atividades superficiais que passam a impressão de que temos muito e não temos nada.
Na vida pessoal não é muito diferente, estamos sendo convidados o tempo inteiro a transformar o nosso lazer, descanso, prazer.... em algo produtivo. O ócio, o cuidado com as plantinhas, dormir, admirar a paisagem, apenas existir numa praia qualquer, "fazer nada", é cada vez mais motivo de culpa e sensação de que tem algo errado.
A situação é tão crítica que até assistir a um filme se tornou algo que deve acabar logo. Honestamente, qual o objetivo de ver um filme acelerado? Um filme.
Tudo isso impacta a vida emocional, ainda que não pensemos sobre.
Dormir, por exemplo, é uma atividade essencial para nossa estabilidade emocional. Não é perda de tempo, mimimi ou luxo. É necessidade. Dormir mal afeta nosso humor, memória, aprendizado, saúde, emoções; Isso tem impacto direto em como nos relacionamos com a gente mesmo, com outras pessoas e com as demandas da nossa vida.
Seu cérebro pode adorar produzir, mas ele também ama os momentos de ócio, prazer, relaxamento, fazendo a atividade que melhor se encaixa no seu perfil.
Quando tornamos estes momentos mais uma obrigação e queremos acabar o mais rápido possível para "produzir" mais, acabamos "estragando o tempo", nas palavras de Rubem Alves.
Esses momentos não são perda de tempo, eles são importantes para o nosso equilíbrio como um todo, também para nossa vida emocional. Saboreá-los e compreender que eles são tão importante quanto os outros pode mudar radicalmente nossa qualidade de vida.
No entanto, boa parte de nós sente ou já sentiu culpa por desfrutar deles (sim, eu me incluo nisso).
Mesmo na vida profissional, observe que focar em várias coisas ao mesmo tempo e fazer um pouquinho de tudo pode representar não estar fazendo nada.
Estamos nos afogando em informações e cobranças. Escolher ler uma matéria completa, um artigo inteiro, sentar e estudar um material página por página faz a gente parecer errado, pois temos aquela sensação de que precisamos saber de tudo, acompanhar tudo, se atualizar o tempo inteiro!
Por outro lado, se lemos apenas pedaços, trechos, recortes, será que estamos mesmo aprendendo? É isso que chamamos de ser produtivo? O quanto isso tem impactado nossos níveis de ansiedade e frustração?
Mais uma vez, sem a pretensão de julgar a maneira como cada um utiliza o seu próprio tempo ou decide gerenciá-lo. O ponto é reconhecer como isso interfere em nosso emocional.
Precisamos pensar criticamente sobre isso porque se formos com a maré, ela estará sempre a favor da sobrecarga e da produtividade exacerbada. O mais paradoxal é que isso não é produtivo, contribui para nos sentirmos cada vez mais cansados, frustrados, insatisfeitos e com a sensação de que nunca é suficiente.
Permita-me lembrar algumas coisas:
Saborear prazeres é importante. Ter tempo de qualidade com pessoas e temas que importam para você é importante. Trabalhar com a consciência de que você não precisa saber tudo e não vai mesmo saber é importante. A forma como você utiliza seu tempo é importante.
Eu sei que às vezes o discurso parece mais fácil do que a prática, mas procure não naturalizar a produtividade que é vendida por aí acima de tudo, porque se ela estiver acima da sua vida você pode estar acabando justamente com o que tem de mais valioso.
Avalie sua rotina hoje e como tem utilizado o seu tempo.
Como estão sendo os momentos de lazer? Quantas horas você está conseguindo dormir? Como está seus momentos de alimentação? De quais maneiras você consome e processa notícias? Como está se atualizando sobre a sua profissão? Tá existindo tempo para algum tipo de atividade física? O que você tem considerado perda de tempo? De que forma isso impacta seu humor e sua relação consigo e com outros?
Pensar sobre estes aspectos não é uma perda de tempo, é um ótimo primeiro passo para aproveitar o seu tempo conscientemente.
Consegue perceber a importância de trazer à consciência estes aspectos? No fim, podemos decidir continuar vendo vídeos acelerados e fazendo leituras dinâmicas, mas escolhendo melhor as ocasiões em que fazemos isso, por exemplo.
A consciência permite ajustes, agir no piloto automático nos exime de pensar sobre eles, o que pode ser bem prejudicial para o nosso bem-estar.
Me conta, o que você pensa sobre "estragar o tempo"?
Artigo originalmente publicado no Linkedin em 12 de janeiro de 2022.