Adiou sonhos, viagens ou planos que te faziam sentir um bem-estar imenso só de imaginar? Interrompeu uma fala antes que saísse a primeira palavra da sua boca, embora considerasse o que tinha a dizer muito importante? Disse não quando queria ter dito sim, ou vice-versa? Resolveu permanecer no que era conhecido, afinal ali você já considerava íntimos seus pontos fortes e fraquezas? Apagou uma postagem, uma mensagem, um bilhete?
Eu me identifico com vários dos pontos colocados acima, e certamente isto não é exclusividade minha, o medo de errar é natural e pode ser intensamente fortalecido em uma cultura de cancelamento onde não temos espaço para o normal: falhas no processo.
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O medo é uma resposta do nosso organismo geralmente diante de uma ameaça, real ou imaginária (chamada também de psicológica)¹. Confessemos que somos motivados a ter um imaginário constantemente ameaçado, como se tudo fosse um motivo para "acabar de vez com a nossa vida ou carreira".
Embora nas redes sociais tenha crescido a aceitação do erro enquanto discurso, na prática sabemos que não funciona bem assim, o julgamento está o tempo inteiro à espreita, por parte de conhecidos ou desconhecidos, e lidar com isso é um grande (e muitas vezes doloroso) desafio!
Já falamos por aqui sobre a importância da autonomia emocional, o fortalecimento dela pode ser um caminho interessante para lidarmos com esse medo de errar tão presente, que em sua forma mais intensa pode nos paralisar e impedir de fazer coisas que poderiam, no mínimo, possibilitar nosso amadurecimento.
O ponto de partida, sem dúvidas, é a aceitação dos erros como parte de quem somos. Normalmente não me atraem muito palavras como "sempre" e "nunca", mas o fato é que o erro SEMPRE estará presente em nossa vida. À medida que nos permitimos viver, experimentar, testar hipóteses ou apenas interagir com outras pessoas, existe o risco de estarmos errados ou equivocados (ponto).
O mais interessante neste processo é que errar não diz nada sobre o valor da sua essência. Sim, você leu corretamente. Errar não te torna uma pessoa pior ou melhor, não determina o seu futuro e nem quem você é de fato. Errar é simplesmente um pedaço desse imenso roteiro improvisado chamado viver. Em alguns casos, inclusive, como na aprendizagem escolar, você acaba aprendendo mais rápido por meio do erro.
Dessa forma, o foco não é, ou pelo menos não deveria ser, o erro em si, mas a nossa postura diante deles.
Assumir responsabilidade pelos nossos erros é necessário, embora não seja um processo fácil
Que o erro faz parte de quem somos já não restam mais dúvidas, no entanto, para lidarmos com eles de uma maneira mais saudável precisamos exercitar nossa responsabilidade diante das nossas ações.
Somos responsáveis pelas palavras e ações que saem de nós, mesmo que não tenha sido nossa intenção fazer A ou B, reconhecer que isso me pertence permite refletir sobre estas mesmas palavras e ações em ocasiões futuras.
A responsabilidade é fundamental porque envolve a nossa capacidade de pensar nas consequências das nossas ações e prever respostas; nos permite avaliar ações prejudiciais a nós mesmes e aos outros antes de concretizar nossas ações; assim como pedir desculpas, ajuda, e aprender com nossos erros².
Evitar atitudes extremas diante de um erro é fundamental
É comum sentirmos desânimo, culpa, tristeza ou mesmo vergonha quando erramos. É natural, lembra que as emoções geralmente nos passam informações sobre o nosso contexto? Refletir sobre o que sentimos nos dá pistas de como podemos agir, mas lembre-se que emoções intensas demais não nos deixam pensar bem antes de agir.
O ideal é esperarmos um pouco a poeira baixar para que possamos refletir sobre possibilidades. Eu costumo brincar que o momento propício para agir é quando conseguimos pensar em, no mínimo, três possibilidades de ação e intencionalmente escolher a que consideramos melhor, relacionando bem-estar meu X bem-estar do outro.
E sim, eu compreendo que nem sempre temos todo esse tempo, mas é só pra avaliarmos como é importante regular nossas emoções para decidirmos melhor a respeito do que podemos fazer. Desistir de tudo, por exemplo, parece muito extremo. Mesmo que vez ou outra essa escolha faça sentido, talvez existam outros caminhos mais interessantes.
Achar que um erro invalida todos os outros acertos também acaba sendo recorrente. Na internet encontramos repletos comentários dizendo “Fulano é hipócrita, falou X, mas nesse dia fez Y”. Sim, gente, somos incoerentes em muitos momentos da nossa vida, mas não estamos em um jogo em que um erro anula um acerto, esqueça essa lógica, estamos falando de comportamento humano.
Se não existe uma vida perfeita sem defeitos, isso significa que vamos conviver tendo sim comportamentos contraditórios vez ou outra, faz parte.
O que dá pra fazer? Criamos consciência deles e seguimos em frente tentando ser tão coerentes quanto nos é possível naquele momento.
Nossa autoestima fortalecida pode fazer toda a diferença na hora de errar
Autoestima é não apenas reconhecer nossos pontos fortes e pontos fracos, mas também aceitá-los como parte de quem somos. Tirar nós mesmes desse lugar de perfeição nos ajuda a enfrentar os erros de forma mais realista e consciente, sabendo que eles fazem parte do processo e não diminuem quem somos.
Essa autoconsciência é importante para que possamos planejar mudanças a partir de aspectos que gostaríamos de melhorar e também pode nos proteger minimamente de comentários dolorosos e incompreensivos que encontraremos no caminho.
Recomeçar de forma consciente: eis um desafio
Consciência. Essa palavra é uma das que considero mais importante em qualquer processo de educação socioemocional, e para lidar com erros não é diferente.
Estar consciente envolve jogar luz em cantos escuros, por vezes despercebidos, que podem estar nos fazendo repetir erros que estão engatilhados no nosso piloto automático. Consciência nos tira da zona de conforto, incomoda, por vezes dói, mas é o que nos permite planejar de forma construtiva e alimentar caminhos possíveis que sejam coerentes com o que chamamos de uma vida mais saudável.
Longe de ser um processo fácil, recomeçar de forma consciente é como se equipar com lâmpadas que nos permitirão enxergar melhor a estrada e, consequentemente, nos preparar melhor para ela.
Por fim, se me cabe ainda deixar uma última reflexão, procure não esconder seus erros, eles fazem parte de quem você é e de alguma forma, às vezes um pouco torta, contribuíram para o seu amadurecimento e mudança de perspectiva sobre pontos importantes da vida. Além disso, seu erro pode inspirar o acerto de outra pessoa.
Encerro com o trecho de um antigo poema cuja autoria a internet nunca me permitiu descobrir:
"Há pessoas que não correm nenhum risco, não fazem nada, não têm nada e não são nada.
Elas podem até evitar sofrimentos e desilusões, mas elas não conseguem nada, não sentem, não mudam, não crescem, não amam, não vivem.
Acorrentadas por suas atitudes, elas viram escravas, privam-se de sua liberdade".
A intenção deste texto não é romantizar o erro, apenas mostrar que ele não precisa ser tão pesado. Como estará sempre presente, que seja leve e nos permita explorar potencialidades.
Mas, então, o que você faria se o seu medo de errar não fosse tão intenso?
Referências:
¹ LABAR, Kevin S. Fear and anxiety. In Barrett, L. F.; Lewis, M.; Haviland-Jones, Jeannette M. (Ed.). Handbook of emotions. Guilford Publications, 579-594, 2016.
² Center for Contemplative Science and Compassion-Based Ethics. Aprendizagem social, emocional & ética: Educando o Coração e a Mente. Emory University, 2019.